Aos contemporâneos que viveram no Brasil dos anos 1970, a expressão “bicho de sete cabeças” tem a voz de Geraldo Azevedo e a melodia de Zé Ramalho. Aos que experienciaram os anos 2000, a expressão também tem imagem: Rodrigo Santoro interpretando Neto, trajado em camisa de força, torturado em um manicômio. O filme de Laís Bodanzky que carrega a expressão em seu próprio título, atingiu o topo da bilheteria nacional no ano de 2001 e carregou consigo não apenas a canção, como também os temas do uso de drogas e do sistema manicomial que foram vigorosamente retomados na esfera pública. A ficção roteirizada por Luiz Bolognesi foi inspirada na história de vida de Austregésilo Carrano Bueno, autobiografada em seu livro Canto dos Malditos. Protagonistas de ambas as obras vivem o drama de um jovem internado em um hospício a fim de ser curado do vício de fumar maconha. A história lança luz sobre a perversidade do sistema manicomial e choca pela desinformação e o pânico que permeou a conduta social em relação ao uso da erva nas últimas décadas do século XX. Um flagrante “baseado” no bolso de uma jaqueta que resultou em anos de tortura institucional. De um fato simples, uma sequência de respostas escalonadamente complexas, incompatíveis, desproporcionais, inúteis e dolorosas, um verdadeiro “bicho de sete cabeças”. Segundo a tradição cristã, João viu emergir do mar uma besta de sete cabeças, dez chifres e dez coroas. Uma entidade humana, maléfica e arrogante. Monstro com trono e autoridade exercendo poder sobre toda tribo, povo, língua e nação da face da Terra. Instável e dificilmente domável como a Hidra de Lerna, gigantesca serpente aquática de não sete, mas nove cabeças que, quando decepadas, dobravam em número e tamanho. Um monstro que quanto mais era combatido, mais crescia, sendo necessária uma boa dose de perspicácia para o controlar. (Continua nos comentários)
Estivesse vivo, Austregésilo Carrano ontem completaria 64 anos de idade. O Sol, de ontem até amanhã, o mesmo que deu origem à sua vida, transita na direção de uma estrela chamada Algol que conta no céu um outro mito sobre cabeças, a Medusa. Encomendada a Perseu, a cabeça do monstro horrível tinha cobras no lugar de cabelos e petrificava aqueles que seus olhos fitava. Algol é uma estrela que hoje se encontra a 26 graus de Touro e sua história é tão rica quanto suas interpretações astrológicas. Na vida de Austregésilo representou a própria perda da cabeça, a injustiça, o encarceramento, a luta política. A história narrada pelo Sol no livro “Canto dos Malditos” foi interpretada no cinema por Rodrigo Santoro, aquele que encarna a Medusa por trazer Algol em seu próprio ascendente. O conhecimento astrológico não deixa espaço para o medo, a fatalidade ou a romantização. Algol sobre é encarar a realidade como ela é, se conectar com a nossa coragem e apurar nosso senso de justiça. Entre Austregésilo e Rodrigo notamos a arte e a militância como forma de curar as dores da alma humana.