Dos dados do nascimento ninguém ainda tem certeza. Nasceu nos idos dos anos 1930, em outro século, em outro mundo, na época em que tantas outras igualmente mulheres, negras e pobres sequer tinham seus nomes inscritos em cartórios e na história com h maiúsculo de homem branco colonizador. Encantou-se às 15h45 do dia 20 de janeiro de 2022 e o mundo que nos deixou nunca mais há de esquecer seu nome, o seu dia, o seu horário, o seu tempo, a sua voz, a sua vida.
.
Naquele dia o João Acuio da Saturnália, postou o céu do momento em que Elza partiu. Fortuna é cumprir o destino inteiro, ele concluiu. Abracei essas palavras para acalentar meu coração, ouvi incessantemente o samba da Mocidade, a escola que a homenageou no último Carnaval que tivemos e homenageará Oxóssi no próximo que virá. Oxóssi que é festejado no dia 20, dia 20 que é feriado nesta cidade o que, para nossa sorte, fará sempre o Rio de Janeiro parar para se alegriar e cantar.
.
Me lembro o dia em que vi o espetáculo da Elza no Sesc de Campinas. Fui sozinha. Me sentei. Abriram-se as cortinas e no alto de um enorme trono, ostentando um black power roxo ela lá estava. Antes de assimilar qualquer nota que ela cantava, sussurrou em meu ouvido as palavras do Brown “ver minha coroa onde eu sempre quis por, de turbante, chofer, uma madame nagô”. Me lembrei da minha mãe. Me lembrei da minha vó. Me lembrei da minha bisavó e das histórias que elas me contaram sobre a minha tataravó. Chorei copiosamente do começo ao fim. Como choro agora, novamente, ao escrever essas palavras. Chorei de admiração. Chorei de dor. Chorei de respeito. De alegria. De sentir que ela estava inteira. De querer que todas as outras sobreviventes desses homens miseráveis tivessem mais que um dia de vitória, uma vida digna de uma rainha. Reparação histórica é pouco. Qualquer palavra que eu possa escrever aqui é muito pouco. Mas não podia deixar passar o meu enorme agradecimento pela sua existência. Pela história que você escreveu, pela herança que você nos deixou. Até o fim.