É caída a noite de onde escrevo. Hoje é dia das mulheres.

É caída a noite de onde escrevo. Hoje é dia das mulheres. Eu não esqueci no início do dia. Mas, em português, feminina é a noite, em astrologuês, feminina é a Lua. Essa tão bem cantada pelas que vieram antes.

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Em memória de Beatriz Nascimento

 

A noite não adormece

nos olhos das mulheres

a lua fêmea, semelhante nossa,

em vigília atenta vigia

a nossa memória.

 

A noite não adormece

nos olhos das mulheres

há mais olhos que sono

onde lágrimas suspensas

virgulam o lapso

de nossas molhadas lembranças.

 

A noite não adormece

nos olhos das mulheres

vaginas abertas

retêm e expulsam a vida

donde Ainás, Nzingas, Ngambeles

e outras meninas luas

afastam delas e de nós

os nossos cálices de lágrimas.

 

A noite não adormecerá

jamais nos olhos das fêmeas

pois do nosso sangue-mulher

de nosso líquido lembradiço

em cada gota que jorra

um fio invisível e tônico

pacientemente cose a rede

de nossa milenar resistência.

 

– Conceição Evaristo, em Cadernos Negros, vol. 19.