Já que a Vênus está conjunta a Castor, compartilho texto que escrevi em 2018 sobre os Gêmeos.

Já que a Vênus está conjunta a Castor, compartilho texto que escrevi em 2018 sobre os Gêmeos.

 

Às vezes penso que o exercício historiográfico é feito de fofocas históricas. Fofoca é “leva e traz”, ofício de Mercúrio. Quando o objeto de estudo é de domínio de Hermes – outro nome de Mercúrio – multiplicamos as versões por duas e, às vezes, por quatro. Assim, gostaria de versar sobre um mito mercurial. E, como quem conta um conto, aumentar um ou dois pontos.

Tem uma história de que Zeus se fez Cisne para se engraçar com Leda na beira de um rio, mas esse é pano para outras mangas. Aconteceu que a rainha de Esparta, depois de certo tempo, deu à Luz a dois ovos e desses nasceram dois pares de gêmeos, um masculino e outro feminino. Castor e Pólux eram os meninos, Helena e Clitemnestra eram as meninas. Castor e Clitemnestra eram filhos do rei espartano Tindareu, enquanto Pólux e Helena eram filhos de Zeus. Castor e Pólux se tornaram grandes guerreiros. Castor se destacava pela sua habilidade com a cavalaria e a condução de carros, Pólux se tornou o mais famoso dos lutadores. Os Dióscuros se envolveram em diversas batalhas mitológicas aonde aparecem lutando sempre sem armas e contando com a ajuda um do outro. Através de suas conquistas, esperteza e coragem, os Gêmeos foram conquistando reconhecimento por toda a Grécia. Em Minas Gerais, entre os séculos XIX e XX, os não tão “antigos” ainda tinham o estranho hábito de se casarem em pares. Maria Rita do Patrocínio e sua irmã se casaram com uma dupla de irmãos e, ainda muito novas, dividiam seus tempos entre brincar de casinha e cuidar da casa, marido e filhos. Precocidade, brincadeira, jornada dupla, parceria: coisa de Mercúrio. Certo dia foram lavar os ternos brancos de seus maridos na beira de um rio. Distraídas, deixaram de lado os afazeres e foram brincar. Quando os dois irmãos maridos se deram conta da travessura ficaram furiosos e prometeram uma surra em cada uma. Diante de tal ameaça, Rita saiu correndo, se trancou em casa, pegou uma foice e passou o resto do dia e da noite ameaçando cortar o pescoço de seu marido caso ele entrasse em casa. (continua nos comentários)

 

  1. “O bebê está chorando de fome, Rita!”, ele dizia, “Pois dê você mesmo de mamar”, ela respondia. Nesse dia e em todos os outros meu tataravô nunca bateu na minha tataravó.

 

  1. No céu, os Gêmeos aparecem como dois homens de paus, lado a lado. As duas estrelas mais brilhantes são as de suas cabeças: Castor que hoje está a 20 e Pólux a 23 graus do Caranguejo. Ao longo de milhares de anos pressagiaram travessuras e episódios de violência. De acordo com Ptolomeu, Castor é da natureza de Mercúrio, enquanto Pólux é de Marte. Castor aparece nos livros antigos sempre muito mais ligado à astúcia enquanto Pólux à força.

 

  1. – “- Vó, no dia em que a senhora nasceu Marte passava por uma estrela chamada Castor.” “- Hm… E aí?” “- E aí que por isso que a senhora é esperta.” “- Ah isso eu sou mesmo, tô viva até hoje porque sou esperta.”

 

  1. Não era modo de dizer. Minha vó se referia ao sem números de monstros que assolaram sua vida e que sem armas, mas com muita astúcia e uma ou outra parceria ela conseguiu vencer. Ainda que Castor e Pólux sejam crias do mesmo ovo, cara dum focinho dôtro, existe entre eles uma diferença fundamental: Castor é mortal. A condição de finitude, de sabermos que vamos morrer e que até esse dia chegar precisamos nos manter vivos. Sem superpoderes. Os 3 poderes são um só: o deles. Sobrevivência a ser conquistada diariamente ao modo de Castor, com as ferramentas do nosso corpo e da nossa mente. “Deus me deu pernas cumpridas e muita malícia; Pra correr atrás de bola e fugir da polícia”. No Brasil, algumas pessoas morrem mais do que as outras. Notavelmente a população negra nas mãos do Estado genocida. Os jovens, um inimigo a cada esquina, as mulheres, o algoz, na maioria das vezes, é o próprio marido. Gente que sabe que morre e que “é preciso estar atento e forte”.

 

  1. Em Castor, o sucesso e a criatividade fluem facilmente, sem dor e nem traumas. Assim como acontece no signo de Gêmeos, em Castor há o dom da palavra. Minha vó – dona Dinha – e seu Maninho. Ele ia pra escola, ela ficava cozinhando, estudar não era coisa de menina. De tarde, levava a marmita e ambos iam pra roça. A noite o Maninho, que aprendia “a ler pra ensinar seus camaradas” contava o que se passava na escola. Dinha ia então para a terceira jornada: estudar de madrugada, escondida de papai. Dinha-Castor, a pessoa mais inteligente que eu conheço, é autodidata.

 

  1. Marte-Castor assim como Manuela d’Ávila: Aos 23 anos, a vereadora mais jovem da história de Porto Alegre. Aos 25 a deputada mais votada do Rio Grande do Sul. Aos 37 a mais jovem candidata à vice-presidência do país. Manuela é Haddad, que por sua vez é Lula. Parece que Marte-Castor só pode ser conhecido em seu duplo. Acredite se quiser, Pancho Villa também tinha essa configuração em sua carta natal. Mas Manílio nos lembra que nem só de luta vivem os Dióscuros, afinal, carregam no céu o arco e a flecha, mas também a lira. “Dos Gêmeos vem mais suave inclinação e uma existência mais doce, passada entre cantos, variados, e concertos de vozes, e delgadas flautas, e palavras acompanhadas de cordas, e o som a estas inato: também o próprio trabalho é-lhes um prazer […]”. A inclinação às artes, à palavra e à melodia. Essa beleza e esse talento que Castor empresta às suas natividades de alguma maneira é parte daquela mesma consciência da finitude. Paradoxalmente é quando vislumbramos a morte que nos tornamos mais apaixonados pela vida. “Esse câncer foi a melhor coisa que me aconteceu”, dizia uma amiga meses antes de morrer enquanto escrevia os mais lindos poemas, as mais belas canções. Uma guitarra foi seu último presente de aniversário a si mesma. Stephs amava Caetano. Sobre a morte, Caetano diz “apavorante”, mas ao mesmo tempo “fascinante” e, na mesma entrevista, que “ser gente é outra alegria”.

 

  1. Quando Caetano Veloso nasceu, Vênus visitava Castor avisando aos mortais que o menino encontraria seu duplo e que desse encontro produziria as mais belas melodias. Quando viu Gilberto Júpiter na televisão o destino traçado no momento de seu nascimento começava a se cumprir. Tão determinante pra história da música brasileira é o fato de Tom Jobim ter nascido no exato instante em que Castor figurava no topo do céu. Uma parceria que te levaria ao topo, a forma como todos o veriam, os seus maiores feitos: Vinicius de Moraes. “Eu sou mais você e eu”. Um canta com as letras, outro fala com as melodias. Gosto de imaginar quão incrível deve ser esse processo de criação. Como batalhar contra um monstro mitológico, você e seu irmão, falando pelo olhar, gesto, respiração. Conhecer o outro a ponto de prever suas ações, como quase extensão de si. Parceria. Não se falam, mas se comunicam incessantemente em uma métrica precisa que vale uma vitória ou uma derrota e, para Castor, a vida ou a morte. Um jogo de cena, atores e atrizes compõem um palco em uma tragédia grega. Não é maravilhoso que a história mais forte de fraternidade da mitologia grega seja justamente entre dois meio-irmãos?

 

  1. Filhas da Maria Rita do Patrocínio, minha bisavó Joana Lucila do Patrocínio e sua irmã também se casaram com uma dupla de irmãos. Da união dos meus bisavós nasceram 4 pares de irmãos. Quando tinha 2 anos de idade, Geraldinho foi acometido por sarampo e pneumonia ficou tão fraquinho que acabou não resistindo. Uma semana depois, acometido pelo mesmo mal, Joãozinho, que na época tinha 3 aninhos, foi autorizado por Zeus a acompanhar irmão. Dois dos três pares de irmãos que por essa Terra ficaram, costumavam fazer festas açucaradas no dia de São Cosme e Damião. Umbandistas, incorporavam entidades chamadas Erês e brincavam rolando com pirulitos pelo chão durante muitas horas. Pudera, erê vem do yoruba eré que significa “brincar”. Há quem diga que São Cosme e Damião são Castor e Pólux que salvavam as pessoas não dos monstros mitológicos, mas de suas doenças. Outros, ainda, que os irmãos curandeiros foram uma manifestação dos Ibéjìs, orixá duplo de temperamento brincalhão, sorridente e irrequieto cultuado no candomblé.

 

  1. Sexta foi dia de São Cosme e Damião. Essa semana foi de muito doce, festa, brincadeira e cura pelos terreiros do Brasil. No domingo, dia do Sol, teve festa dos Erês em Campinas. Quando a Lua Minguante ascendia no horizonte no signo de Gêmeos cantaram e levaram Stephs pra brincar do outro lado. Desde então pares de nós que por aqui ficamos, temos honrado a caminhada de dia e, quando a noite chega, encontramos nosso anjo dourado em sonhos, conversamos sobre como vão as coisas e acordamos pra mais uma jornada. Hoje a Lua visita Castor, dia de se curar, se acolher, de lembrar que gente morre e que ser gente é outra alegria.