Por ocasião do forte trígono entre Marte em Áries e Vênus em Leão, o Astrologuês ganhou texto lindo da historiadora da arte @juliana.guide. Nos deliciemos.
Os dates de Marte e Vênus são um tema e tanto na história da arte. Afinal, baita oportunidade e público garantido: encontro passional, furtivo, de um casal de imensa beleza e eterna juventude. Há muitas camadas de sentido filosófico e político a serem exploradas nessa reunião – por exemplo, qual dos dois deuses tem mais poder sobre os seres humanos? Talvez de imediato pensássemos ser mais forte o impulso à violência e à guerra. Lembremos que a Vênus, por vezes, submete inclusive os deuses, que vivem imersos em aventuras e desventuras sexuais e afetivas. A segunda imagem mostra a versão de Botticelli, de 1483, em que o próprio Marte, seminu e entorpecido pelo encontro amoroso, encontra-se tão inofensivo que pequenos sátiros brincam com suas armas, observados pela desperta deusa. Tão atípica é a primeira imagem deste post, de Lavinia Fontana, feita em 1595, que permite algumas reflexões com as quais fecho essa viagem. Em primeiro lugar, é inusitado o destaque dado ao derrière da deusa, na qual pousa lasciva a mão de Marte – atrevimento que indica que o quadro ficava numa parte da casa dedicada a atividades que certamente agradariam à Afrodite. Lavinia, a pintora, era uma mulher muito adaptada as rígidas exigências morais do seu tempo. Teve 11 filhos e era considerada um modelo de comportamento pela sociedade, e isso apesar do fato muito inapropriado de sustentar toda a sua familia, incluindo pai e marido, com seu trabalho autônomo de artista. Uma interpretação recente indica que Lavinia não teria ficado muito feliz com a encomenda do quadro, mas dada a importância do patrono, não poderia recusá-la. Assim, teria feito uma Vênus que olha fixamente o observador e oferece a ele um singelo narciso, que não costuma aparecer nas mãos da deusa, sendo uma flor associada à ignorância. Um tapa com luva de pelica, das mãos eruditas de Lavinia, no comitente, homem importante conhecido por sua grosseria. Se não é verdade, é divertido – e é fato que a Vênus tem potências que a força de Marte desconhece.